segunda-feira, 23 de junho de 2008

AS GRANDES OPORTUNIDADES DA PARIDADE

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto (*)


Este escrito fala da extraordinária oportunidade de educação para a cidadania criada pela histórica decisão do Consuni, da sexta-feira, 13 de junho de 2008, de aprovação do sistema paritário de votação para a escolha do reitor da UnB.

Cabe, em primeiro lugar, congratular a maioria de professores, funcionários e estudantes membros do Consuni por sua sabedoria política, ao aprovar o sistema paritário de votação para a escolha do reitor. Mesmo que venha com atraso (quae sera tamen) em relação a outras universidades brasileiras, mesmo que venha após o desastre da gestão de Timothy Mulholland, trata-se agora de discernir uma oportunidade de ouro, que pode definir um novo e bom caráter para a Universidade de Brasília.

A oportunidade consiste em podermos nos esforçar por apoiar a paridade muito além da votação, mas também iniciar um processo de gestão paritária sem paralelo na experiência de gestão universitária brasileira.

A questão deve ser colocada em termos de ação docente, de ação essencialmente colocada para a condição de docentes. Não é isso que preocupa o conjunto de professores que votou contra o regime paritário de votação? Se é isso que os preocupa, ficam desafiados a assumirem uma posição realmente docente: vamos construir cidadania, paritariamente.

A ação docente proposta é fundada numa concepção de paridade como forma de gestão da Universidade Pública, mais que de uma forma de proporcionalidade de votos numa eleição quadrianual. Como professores, devemos nos permitir enxergar a oportunidade de formar lideranças em ação, através da participação direta de estudantes, funcionários e mestres na administração da universidade pública. A paridade é uma oportunidade de educação, um verdadeiro experimento.

COMO SE FAZ ?

Não há uma fórmula mágica, mas aqui me move o entusiasmo por um modo de operar que é essencialmente nosso, de nosso especial interesse, de nossa especial competência: as atividades de ensino, pesquisa e extensão.

No caso do ensino, podemos delinear novas inter-disciplinas, que teriam como objetivo a própria vida universitária. Como arquiteto estou a delinear uma nova inter-disciplina, que provavelmente será denominada Avaliação de Pós-ocupação de Instituições de Ensino Superior (Apoies., é a sigla sonhada). Numa disciplina assim - que pode ser ofertada pelo Ceam (Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares) - alunos de qualquer área universitária podem aprender a avaliar seus ambientes de estudos, de pesquisa, de trabalho, de lazer, de convívio. A idéia básica é a de formar futuros dirigentes universitários que saibam:

a) como gerir espaços físicos de uma universidade (pública ou privada, pois falamos de instituições de ensino superior);

b) como especificar condições de funcionamento e operação de universidades, do ponto de vista do gestor, mas também de servidores, estudantes, visitantes, da população da cidade;

c) como proceder para que a universidade crie Planos Diretores Participativos, que se desenvolvam em torno de pólos físicos, de seus espaços edificados, até pólos de modelos de formação profissional, científica, e de cidadania;

d) como proceder para que as condições físicas das diferentes áreas e funções universitárias respeitem e atendam às suas especificidades; podemos formar o futuro professor e gestor universitário, conhecedor do caminho das pedras para a manutenção de elevados padrões ambientais de apoio às suas atividades.

Muitas outras disciplinas podem ser criadas, com o objetivo de formar uma geração de lideranças universitárias, de futuros professores que desde sua graduação compreendam como a universidade funciona e como podem contribuir para que ela atinja níveis extraordinários de desempenho. Disciplinas sobre a institucionalização da Pesquisa; disciplinas sobre os controles institucionais na universidade pública; disciplinas sobre a corrupção (que já existe, e merece todo o destaque, aqui); disciplinas sobre a tomada de decisões em instituições públicas, etc. Vamos fazer um programa de trabalho transformador, professores! Seja quem for o reitor.

Além da liderança universitária, há a liderança pública. A paridade levanta o difícil problema da participação política bem fundada, refletida, exigente, de qualidade. Esse é o problema do governo federal, e dos governos das demais esferas. Não nos faltam Leis propondo (até exigindo) a participação da cidadania. Pouca gente tem conhecimento acerca de como a participação é realmente valiosa, como é exigente. Sem prática e debate, sem uma disciplina da participação, formaremos péssimos dirigentes – como os que estão aí.

Leia-se: autoritários, oportunistas, cínicos com relação aos interesses dos demais grupos sociais e nacionais. Carreiristas que usam os processos participativos para ludibriar a cidadania. Contra isso há um bom remédio: educação. Nós, mestres, precisamos desse conhecimento tanto quanto os demais cidadãos.


UM PROJETO DE FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA ENVOLVE A GESTÃO DA UNIVERSIDADE - OU NÃO ?

Eu tenho elevadas expectativas com relação à UnB. Acredito que a universidade pública, federal, da capital do país deve ser exemplar com relação à questão da liderança nacional, de formar quadros de pesquisadores que tenham, como se diz, um diferencial.

Esse diferencial, acredito, deve ser a capacidade de gestão de grandes programas nacionais, de desenvolvimento do país nas linhas de políticas públicas de nossas áreas - na Arquitetura, na Psicologia, no Direito, na Biologia, na Medicina, etc, etc. Devemos reconhecer de longe uma pessoa formada na Universidade de Brasília. Formar-se aqui deve ser visto positicvamente, enfatiza-se.

Podemos falar de um projeto de formação universitária que caracterizaria todos os estudantes da UnB, todos os que formamos. Claro que esse é o projeto da própria UnB, desde Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, entre outros educadores, mas também é algo que tem tudo a ver com as decisões que vimos tomando, para tirar a nossa Universidade da inaceitável situação de universidade viciosa, corrupta, totalmente fútil quanto às suas prioridades, cínica com relação à própria cidadania que a sustenta.

Sinto entusiasmo, e me coloco à disposição dos colegas que queiram participar de pelo menos essa iniciativa - da disciplina Apoies. Professores de diferentes áreas podem e devem trabalhar juntos, com os alunos que pertençam a todas as áreas que se interessem. Afinal, trata-se de uma universidade de verdade, e não de mentira.

(*) Professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB

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